quinta-feira, 28 de junho de 2007

Volta do Mundo, Camará

Agora que já temos um blog, precisamos começar a usar este espaço para refletir sobre a nossa capoeira. Segue abaixo um artigo que escrevi e foi publicado na revista on-line da FIB em 19/09/2006, para fazer sobre como a nossa sociedade ainda encara a capoeira de forma preconceituosa.


VOLTA DO MUNDO, CAMARÁ
Daniele Canedo*

Certamente, você já viu diversas rodas de capoeira. Nas terras da Bahia, considerada mundialmente o santuário da capoeira, qualquer festa de largo ou evento público é motivo para uma apresentação. Berimbau, bandeiro, atabaque, a bateria chama a ladainha e os ouvintes respondem o coro. No meio da roda, um jogo que exige concentração e observação. Trata-se de um diálogo. É importante estar sempre atento ao parceiro, procurando onde está o seu olhar, fazendo os movimentos sem perdê-lo de vista e prevendo o próximo golpe. Ginga que mistura malícia e molejo. Imagens que podem ser vistas em qualquer ponto turístico da cidade de Salvador. Provavelmente, você deve estar lembrando de algumas cenas como esta que já presenciou. Se não, peço, por favor, que mentalize uma roda de capoeira e pense o que você apreende desse momento. Como você vê a capoeira?

Arte. Luta. Dança. Jogo. Manifestação cultural. Símbolo da resistência dos negros africanos que vieram para o Brasil. Esporte. Tradição. Nos últimos anos, a capoeira baiana ganhou status no mundo inteiro e hoje é praticada em mais de 160 países. Lá fora, moças de olhos azuis e rapazes de tez amarelada e olhos puxados treinam para aprender a mandinga do jogo. Na formação do capoeirista, uma visita à Bahia é obrigatória. É preciso conhecer a origem, o local onde residem as tradições e os mestres antigos.

Em um discurso proferido na sede da ONU, em Genebra, o Ministro da Cultura, Gilberto Gil, falava que a diáspora da capoeira no mundo é uma realidade que já conta com o aval de instituições educacionais como o UNICEF, que referenda trabalhos de iniciativas dos capoeiristas brasileiros em vários países. “Muitas vezes, esses capoeiras são requisitados para ações de inclusão social de crianças e adolescentes em áreas de risco social (“drops outs”), além de repatriados, vítimas das mazelas da guerra e pessoas portadoras de deficiência física”. As palavras do Ministro reafirmam o reconhecimento da capoeira no mundo. E a nossa sociedade, como enxerga essa forma de expressão?

Infelizmente, ainda existe muito preconceito na sociedade baiana. Sou jornalista, mestranda e capoeirista e por diversas vezes já me deparei com questionamentos incompreensíveis a respeito dessa arte. Na província da Bahia, muitas pessoas ainda associam a capoeira à marginalidade, um conceito que precisa ser revisto, urgentemente.
Talvez à associação se faça através da história. A capoeira surgiu como uma manifestação de defesa dos negros contra a opressão imposta pelo sistema escravagista. A força, a agilidade e a malicia dos negros praticantes assustava os senhores do engenho, por isso os capoeiristas sempre eram perseguidos pela polícia e fortemente reprimidos. Até o final do século passado, as pessoas que praticavam capoeira eram consideradas de má índole. Em 1.890, o Marechal Deodoro da Fonseca transformou a capoeira em uma atividade criminosa, assinando um decreto que a proibia. A perseguição policial intensa que se seguiu fez com que a capoeira quase desaparecesse do país. Os praticantes podiam pegar de dois meses a três anos de prisão, com pena de deportação no caso de estrangeiros.
Com a entrada de Getúlio Vargas no governo do país, medidas foram tomadas para angariar a simpatia popular, entre elas a liberação de uma série de manifestações populares. Depois de ver uma exibição de capoeira no Rio de Janeiro, em 1937, o presidente descriminalizou-a e decretou ser aquele o "esporte autenticamente brasileiro". Outra data histórica importante para os capoeiristas foi o 23 de julho de 1953, quando o Mestre Bimba se tornou o primeiro capoeirista a fazer uma apresentação no Palácio do Governo para o presidente Getúlio e o então interventor da Bahia, Juracy Magalhães.
“O único esporte verdadeiramente nacional", palavras de Getúlio ditas naquele 1953, ainda enfrentaria muita discriminação até meados da década de 70. Hoje, os benefícios da capoeira como instrumento de inclusão social e construção identitária de jovens em situação de risco social; como atividade física; e para a sociabilização de povos de diferentes culturas são referendados por autoridades e pessoas de todo o mundo. E nós, façamos novamente a pergunta inicial deste artigo e reflitamos sobre o nosso ponto de vista em relação à capoeira. Será que damos o devido valor e respeito a esta forma de expressão?

* Daniele Canedo é gestora cultural e mestranda em cultura e sociedade.

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