CAPOEIRA: PRECONCEITO EM ALTA NA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
É com muita tristeza que informamos à comunidade universitária e à sociedade baiana e brasileira que o preconceito está em alta na Universidade Federal da Bahia. Não bastassem as infelizes declarações do professor Antonio Dantas (ex) coordenador da Faculdade de Medicina, com grande repercussão na mídia há um ano, onde cita a execução do toque do berimbau como referência para dizer que o baiano tem pouca capacidade mental, temos agora outra manifestação eminente desse preconceito. Vamos aos fatos.
Desde que foi implantada na UFBA, em 2000, a Atividade Curricular em Comunidade (ou simplesmente ACC como é conhecida no ambiente universitário) tem sido uma experiência muito importante no que diz respeito a uma maior aproximação entre Universidade e Comunidade. Uma dessas ACCs – Ensino e Pesquisa na Roda de Capoeira – desenvolvida a partir da Faculdade de Educação da UFBA, foi uma das primeiras a serem implantadas no currículo e vem envolvendo estudantes de vários cursos em atividades sócio-educativas direcionadas às comunidades de capoeira, atuando em Salvador e Região Metropolitana, abrindo o espaço da universidade para estas comunidades, dando voz e visibilidade aos seus líderes e seus participantes (crianças, adolescentes e adultos) a partir de muitas atividades.
No entanto, a ACC EDC464 - Ensino e Pesquisa na Roda de Capoeira sofre, já há alguns semestres, o que poderíamos chamar de “pouco prestígio” junto a Pró-Reitoria de Extensão, órgão responsável pelas ACCs. Já não vinha recebendo o apoio financeiro a que todas as ACCs têm direito, o que já tornava a tarefa de continuar um fardo pesado para alunos e professores comprometidos com essas ações e que apelaram freqüentemente ao próprio bolso para manter as atividades em funcionamento.
Temos durante esse tempo todo, tentado dialogar com representantes dessa Pró-Reitoria no sentido de sensibilizá-los sobre a necessidade e a importância da continuidade das ações dessa ACC, sobretudo em função dos compromissos estabelecidos com essas comunidades, que finalmente começam a enxergar a Universidade como uma parceira importante em sua luta por dignidade humana. Fomos, então, surpreendidos nesse atual semestre com a notícia veiculada pela Pró-Reitoria de Extensão, de que a ACC Ensino e Pesquisa na Roda de Capoeira não seria mais oferecida. Sequer uma explicação plausível nos foi dada para justificar tal atitude. Na certa, não se trata de um saber nobre o suficiente que justifique sua presença no currículo oficial da UFBA, tal como as atividades oriundas das ciências exatas, biológicas, etc... Triste constatação!!!
Diante do exposto, viemos a público manifestar nossa INDIGNAÇÃO pela forma arbitrária com que essa decisão foi tomada, sem sequer possibilitar um diálogo e uma argumentação de nossa parte, que pudesse alterar tal decisão, o que nos faz acreditar que tal atitude trata-se de PRECONCEITO contra uma manifestação como a CAPOEIRA, que durante séculos foi perseguida e reprimida pelo poder, tida como coisa de “vadios” e “desordeiros”, e que apesar de hoje, ser considerada Patrimônio da Cultura Brasileira pelo IPHAN, e ser praticada em mais de 150 países no mundo inteiro, ainda sofre esse tipo de discriminação, e pior, justamente na Bahia, local de maior prestígio dessa manifestação em todo o mundo.
Reiteramos a relevância desta ACC na formação de estudantes de diversas áreas, o que confirma seu caráter aberto a todas as áreas do conhecimento. Destacamos a importância desta manifestação cultural não só para a formação humana de seus estudiosos na Universidade Federal da Bahia, mas também para a formação científica dos estudantes e professores desta instituição. A ACC 464 foi (e é) base para estudos monográficos, dissertações de mestrados, além de trabalhos apresentados em eventos como a SBPC em Campinas, o Seminário Interno de Pesquisa da UFBA em Salvador e em eventos internacionais, como o de Cuba – Pedagogia 2009.
A ACC busca aproximar o saber popular e acadêmico de forma democrática, sensível, auxiliando na superação de uma lógica retrógada que permeou por muito tempo os ambientes universitários e que, agora, cabe cada vez menos em um país que declara ser a diversidade cultural um dos seus grandes diferenciais. Para sermos diversos culturalmente, é preciso respeito com toda forma de cultura. Não é o que esta universidade mostra agindo desta forma em relação a essa já histórica e resistente ACC.
Os canais de diálogo com a Pró-Reitoria de Extensão foram esgotados, e por isso apelamos a essa nota pública, no intuito de denunciar essa atitude discriminatória e preconceituosa, certos de que a comunidade acadêmica e a sociedade baiana se manifestarão a respeito.
Salvador, 17 de março de 2009
Professores responsáveis atuais pela ACC 464: Ensino e Pesquisa na Roda de Capoeira (Faculdade de Educação):
Pedro Abib
Maria Cecília de Paula Silva
Antigos professores participantes:
José Luis Cirqueira Falcão (professor da UFSC, colaborador da criação da ACC 464 e sua inclusão co currículo da UFBA EM 2000)
Participantes:
Benício Boida de Andrade Júnior, estudante de filosofia (participante desde 2007.1)
Eduardo Evangelista Costa Bomfim, estudante de ciências sociais (participante desde 2006.2)
Fernando Lemos, estudante de arquitetura (participante desde 2006.2)
Franciane Simplício Figueiredo, mestre em educação (participante desde 2006.1)
Luciano Ferreira Guimarães, contramestre de capoeira (participante informal desde 2005.2)
José Luis Oliveira Cruz , mestre Bola Sete, mestre de capoeira (participante informal desde 2006.1)
Maria Luisa Bastos Pimenta Neves, estudante de pedagogia (participante desde 2004.1)
Priscila Lemos Menezes, estudante de letras vernáculas com uma língua estrangeira, (participante desde 2008.2)
Renato Silva Santos, estudante de educação física (participante desde 2007.2)
Sante Braga Dias Scaldaferri, mestre em educação (participante desde 2006.1)
Sergio Fachinetti, mestre Cafuné, mestre de capoeira (participante informal desde 2006.2).